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No bumbum da mamãe

01/06/2010

Davi me chamou esta madrugada: “Mamaê!”. Fui até o quarto e ele estava em pé no berço: “cóio (tradução – colo)”. Peguei ele pelos braços e forcei delicadamente que se deitasse de novo. “Filho, Davi dorme no bercinho e mamãe na cama. Durma meu filho”. Ele levantou de novo e disse: “Mamaê, cóio!”. Foi aí que peguei ele no colo e vi que estava encharcado de xixi, tadinho, com as pernas frias. Levei ele para a minha cama, troquei a fralda, a roupa e dei mamadeira. Logo ele estava dormindo novamente. Poderia tê-lo levado de volta ao berço, mas não quis. Eram 4h30 e logo estaríamos acordados (ele levanta supercedo). Deitei na escuridão total e percebi sua mãozinha procurando a minha…
Fui remetida imediatamente à minha infância. Quando menina me sentia muito insegura afetivamente e tinha períodos longos de terror noturno. Ficava horas com insônia, com medo de dormir e ao mesmo tempo com medo de ficar acordada e ouvir alguma coisa inexplicável. Saía de fininho do quarto e entrava pé ante pé no quarto dos meus pais, carregando apenas um travesseiro. Deitava embaixo da cama deles. Ficava ali, quietinha, ouvindo o meu pai roncar. O som, que poderia incomodar a princípio, me deixava calma e com senso de realidade naquela escuridão. Aí, eu dormia.
Logo cedo, antes que meu pai levantasse, saia de mansinho debaixo da cama e voltava para o meu quarto.
Outro lugar disputado por mim e pelas minhas irmãs para uma soneca era o bumbum da minha mãe. A coitada acordava cedo e não parava um minuto na cozinha, arrumando as coisas e fazendo as tarefas domésticas, enquanto nós brincávamos e também brigávamos, desfazendo toda a arrumação. Depois da cozinha do almoço arrumada, ela avisava: “Agora eu vou assistir televisão e dar um cochilo. Não quero um pio…”, ameaçava. Pegava o chinelinho na mão, tipo “pronta para dar umas palmadas”, e deitava no sofá, que era comprido.
Ah! a primeira que chegava encostava a cabeça no bumbum da mamãe, e as outras, encostavam as cabecinhas no bumbum umas das outras. Ficávamos todas encaixadas ressonando por pelo menos uns 40 minutos, quando então minha mãe levantava e retomava a batalha do dia a dia. Essa é uma das melhores lembranças que tenho da minha infância.
Todas queriam ter o privilégio de dormir encostadinho na mamãe. Era uma sensação de segurança e aconchego plena naquele bumbum macio, quentinho e com cheiro de coisa conhecida, parecendo uma extensão do corpo da gente.
Nós disputávamos a tapa o lugar. Acho que é aquele tal desejo existencial relatado pelos especialistas da volta ao útero materno. A vontade de se unir ao corpo da mãe novamente e sentir a sensação de plenitude e bem-estar da gravidez.
Quando vi a mãozinha de Davi me procurando no escuro ontem, mesmo ele estando sonolento, me lembrei com clareza e nitidez desta experiência com minha mãe. Percebi claramente que Davi relaxou quando me “achou” e se entregou ao sono, em segurança.
Geralmente, meu filho dorme em seu quarto, mas gosto de pensar que estas exceções, que nos aproximam afetivamente e instintivamente, vão perdurar como delicadas lembranças de bem-estar, aconchego, amor. Como momentos especiais, em que a ligação universal é reatada, refeita, mesmo que ele não tenha saído de fato do meu útero…