Há quase um ano atrás recebi um folder sobre um seminário de psicologia que seria realizado aqui em Campinas. Até aí, nada demais. Porém, quando bati o olho no assunto me surpreendi. O tema era sobre o narcisismo na era atual, e acredite, citava Campinas como um forte exemplo de sociedade altamente narcísica. A informação se acomodou para mim, da mesma forma como uma peça de quebra-cabeças se encaixa. Este, infelizmente, é um traço da comunidade campineira.
As pessoas olham apenas para o seu umbigo. Apenas para os seus problemas. Reclamam apenas do seu buraco de rua. Simplesmente não conseguem enxergar o outro e muito menos se colocar na posição de alguém para tentar entender o que esta pessoa está sentindo. O campineiro, de forma geral, tem um perfil invasivo, arrogante, egocêntrico, preconceituoso e muitas vezes, agressivo. Essas características se refletem, por exemplo, no trânsito.
Alguns motoristas dirigem como se somente eles existissem. Usar a seta é algo inimaginável, afinal, para quê avisar quem vem atrás para onde se vai entrar, se a rua é toda nossa, não é mesmo? Afinal, que se dane! Andar no meio das pistas é habito comum e mostra bem o complexo de ‘dono da rua’, para não dizer do mundo…
E as paradas irregulares de veículos por toda a cidade? Nas escolas, se formam filas triplas e quádruplas, totalmente arbitrárias. Mas é daí? O campineiro está indo buscar o SEU FILHO, portanto, o outro que espere.
O alerta, não uma crítica, é para que possamos nos rever nessa condição e descobrirmos qual a nossa parcela de responsabilidade por Campinas ser uma sociedade tão narcísica. Precisamos fazer uma autoanálise e tentar transmutar essa condição. Eu amo esta cidade, onde escolhi para viver. Vejo inúmeras qualidades, mas não posso me cegar às suas sombras.
A palavra grega “narkissos” que vem do grego “narkes”, significa “entorpecimento, torpor.” Essa também é a base etimológica da palavra narcótico. Simbólico e representativo, não?! Narciso também é o nome de uma flor bonita e inútil; morre após uma vida muito breve; é estéril, é venenosa e tal qual o jovem Narciso, do mito, que, carente das virtudes masculinas, é estéril, inútil e venenoso.
Na história da mitologia grega, Narciso era filho do Rio Céfiso (aquele que banha) e da ninfa Liríope (macia como um lírio). Ninfas são divindades ligadas à água. Liríope foi vítima da insaciável energia sexual de Céfiso. Foi estuprada e teve uma gravidez penosa e indesejável.
Era tão belo o filho de Liríope que ela chegou a ficar perturbada. Então, foi buscar Tirésias, um célebre sábio cego que tinha a capacidade da visão do futuro. “Narciso viveria muitos anos?”, pergunta ela aflita. Tirésias então lhe disse: “Se ele não se vir…”
Quando chega à juventude, começam as fortes paixões por Narciso. Havia uma em especial: a ninfa Eco. Mas, Narciso a rejeitara também. Então, numa ocasião, enquanto caçava com os amigos, Narciso afasta-se deles. Cansado, procura uma fonte para saciar sua sede e encontra a fonte de Tépsias.
Ao debruçar-se sobre o espelho imaculado das águas Narciso viu-se. Apaixonasse pela própria imagem e ali fica e ali morre. Mais tarde, quando procuraram-lhe o corpo, encontram apenas um flor amarela, cujo centro é circundado de pétalas brancas. Era o Narciso.
O Narciso, mito contado por Ovídio, significa um símbolo central de permanência em si mesmo. A ninfa Eco traduz a problemática do oposto, a vivência do outro. O mito de Narciso então, refere-se a pessoas que não conseguem ver nada e ninguém além delas mesmas. É aquele que está tão fechado em si mesmo, que não consegue imaginar que os demais à sua volta possam ser diferentes, pensar de forma diferente.
Assim, ele vê tudo através de sua ótica. É como se o mundo fosse um espelho de sua alma. Está impossibilitado de ver qualquer outra coisa que não seja a si mesmo e a seus valores numa completa ausência de contato com a realidade.
É interessante observar no mito que, como a flor, Narciso é estéril, inútil e venenoso. ESTÉRIL porque faz uma escolha errada de objeto: toma a si próprio e assim, morre de inanição afetiva e intelectual. Perverte a lei da natureza, na qual o amor deve ser dirigido ao outro. Se não há troca, não há crescimento. INÚTIL porque se nada acrescenta e nada recebe é um fantasma sobre a terra. Não contribui para a comunidade e nem para as relações. E finalmente, VENENOSO, porque com a esterilidade e a inutilidade, só resta a vergonha e a impotência que geram a inveja que é flagrante e destrutiva nos narcísicos.
As história e mitos nos lembram muitas vezes sobre o quê exatamente devemos refletir e transmutar.
Tags: estéril, mito, narciso, sociedade narcísica, venenoso
13/11/2009 às 14:08 |
A sociedade campineira se debruça inútil, estéril e venenosa sobre as águas do Atibaia…
13/11/2009 às 14:34 |
O melhor de tudo é a foto com ares de moça do boletim econômico… Temos sempre que rever nossa condição, individual e coletiva, sob pena de sermos esmagados pelo tempo.
Beijos.
15/11/2009 às 18:11 |
E eu que achei que estava a cara da Supernanny…
13/11/2009 às 14:42 |
Concordo plenamente com você Carol, a sociedade campineira é mesmo arrogante e se acha acima de tudo e de todos. Ainda bem que os campineiroe hoje são a minoria na cidade e muitos daqueles que se diziam ser de familia “quatrocentonas”, hoje ta mais pendurado do que linguiça em balcão de buteco. Os emergentes estão dominando a cidade e com isso, a sociedade campineira deixou de ter, pelo manos de uns anos pra cá, aquele status de grandeza.
13/11/2009 às 16:00 |
bravissimo!
14/11/2009 às 8:27 |
Grande Carol;
Em primeiro lugar encontrá-la toda de óculos, com um olhar professoral e bela, já foi uma obra humana de arte; depois sua antevisão dessa sociedade campineira e seus procedimentos narcísicos, um deleite literário.
Creio que, sua a obra maior – o ser mãe – fez-lhe deveras bela, mas, nada narcísica.
Obrigado pela dica de leitura.
Bocatto
14/11/2009 às 10:45 |
Obrigada pelas lindas palavras Bocatto. Apesar de não nos vermos mais, me lembro de você sempre com muito carinho, pois marcou com certeza minha trajetória de vida.
Grande beijo,
15/11/2009 às 21:17 |
Que maravilha alguém falar o que eu falo todos os dias desde que moro aqui (pois, como você, também escolhi essa cidade para morar). E o transito heim? Precisamos de muitas campanhas para modificar essa caos.
Parabéns Carol querida
Beijos
16/11/2009 às 12:15 |
Apesar dos pesares, tenho esperanças de que as pessos se modifiquem…
Beijos,
Carol.
18/11/2009 às 9:50 |
O campineiro é, sim, arrogante, mas você não conhece o povo de Ribeirão Preto, que apelidei carinhosamente de inferno country. Aqui, além da falta de cultura, os senhores usinheiros acham que são os donos da cidade. Fora o tanto que eles gostam de aparecer nas colunas sociais. Só isso já é um bom exemplo de quão evoluído é o povo deste sertão. Beijos. Ah, adicionei o seu blog no meu!!!
18/11/2009 às 12:07 |
De verdade, imagino que Ribeirão é bem pior sim. Tenho saudades dos nossos papos aqui na redação… Mande o seu endereço de blog, que eu também quero conhecer e adicionar nos meus favoritos…
Beijos,
19/02/2012 às 19:50 |
Muito bom! Acho que esta é uma característica do brasileiro, caso contrário não haveria tanta desigualdade social.
Ass: Ana (São Paulo).
19/02/2012 às 20:06 |
Obrigada Ana. Seja bem-vinda e Sinta-se à vontade para contribuir com esse espaço. Abraço, Carol.